Nos últimos anos, temos vivido mudanças drásticas no sector de produção de energia elétrica. Essas mudanças são fruto de pressões mediáticas várias e da pressão exercida pela União Europeia (UE) para que o consumo energético dos seus Estados-Membros, assegurado por via de fontes renováveis, aumente consideravelmente. Ou seja, a UE tem como objetivo reduzir a dependência de combustíveis fósseis importados e, por outro lado, reduzir a emissão de gases poluentes ao longo das próximas décadas.
Esta necessidade (alguns gostam de lhe chamar vontade) de alterar o paradigma vigente tirou da gaveta tecnologias já existentes, mas que teimavam em ficar “esquecidas”, ou, pelo menos, pouco maturadas. Com esta discussão retomada, apareceu um novo tema de discussão entre a produção centralizada vs. a produção descentralizada. E porque não centralizada + descentralizada? Claramente que há espaço para os dois lados.
Em Portugal, com esta mudança apareceram projetos de grande escala (energia centralizada), estando agora a começar a “época” dos sobre-equipamentos, reequipamentos, hibridizações e armazenamento de energia e de projetos de energia descentralizada, como as comunidades de energia (CER). Com tudo isto, a legislação sofreu, está a sofrer e irá sofrer, alterações drásticas para conseguir enquadrar legalmente os projetos que vão surgindo.
Para que uma central utility scale se torne realidade, tem de previamente existir um Título de Reserva de Capacidade (TRC), que permita injetar na Rede Elétrica de Serviço Público (RESP) essa capacidade atribuída. Neste momento, as modalidades que permitem o acesso à rede estão fechadas e não se vislumbra que isso vá mudar num futuro próximo.
Mas as dificuldades não acabam aqui… Com a obtenção deste TRC abre-se todo um mundo de licenciamentos, requerimentos, avaliações, pareceres e estudos impostos que, muitas das vezes, não fazem qualquer sentido.
Desde logo, encontrar terrenos que permitam a implantação de uma central de grande capacidade não é tarefa fácil, pois temos de ter em consideração as expectativas dos proprietários dos terrenos e, não menos importante, saber avaliar de forma expedita quais as principais condicionantes ambientais e territoriais associadas. Depois de escolhida a área de implantação, têm de se realizar estudos detalhados sobre as consequências, positivas e negativas, que este tipo de projetos acarreta. Estes estudos englobam diversas áreas da nossa sociedade, desde socioeconomia, passando pelo clima e alterações climáticas, ecologia, usos do solo, entre outras. Estes diferentes estudos são compilados num documento que se intitula Estudo de Impacte Ambiental (EIA). Este estudo é o ponto de partida para que as diferentes entidades que estejam supostamente envolvidas de alguma forma com o processo se possam pronunciar. Com este documento, cabe à Autoridade de AIA (Avaliação de Impacte Ambiental) dirigir o procedimento de AIA, promover a constituição da Comissão de Avaliação (CA), solicitar pareceres às entidades externas à CA, promover a consulta pública e emitir a Declaração de Impacte Ambiental (DIA). Ou seja, se a CA considerar que determinada entidade não tenha de ser consultada e caso a própria opte por não intervir na consulta pública, o projeto não pode ser atrasado porque a jusante do processo se considera que afinal essa entidade tem de dar o seu parecer, para muitas das vezes atestar que não tem nada a atestar! Mais, não faz sentido, de todo, que se tenha de pedir vários pareceres à mesma entidade nas diferentes fases do processo, para que esta se pronuncie sobre o mesmo projeto!
Se o projeto, que foi aprovado por uma DIA, não sofrer alterações, deve poder ser licenciado junto da DGEG e posteriormente aprovado para construção pela Câmara, sem mais elementos extra que estejam relacionados com o licenciamento ambiental.
E se estes processos já são complexos por natureza, mais complexos se tornam quando os tempos de resposta, que supostamente as entidades deveriam ter de cumprir, são ultrapassados com justificações burocráticas difíceis de compreender e aceitar.
O Estado tentou, e diga-se que bem, simplificar o enredo que aqui expus, mas infelizmente parece que sem grande sucesso, seja por culpa própria, seja por dificuldade de as entidades aceitarem ficar limitadas nos seus “poderes”.
Vou tentar expor alguns destes desafios, sem pesar muito mais um texto que já vai parecendo do tamanho de um EIA.
Há tecnologias e projetos que continuam sem grande enquadramento legal. Por exemplo, projetos de armazenamento de energia (denominados BESS) estão tipificados na legislação, mas ainda sem grande definição de quais os procedimentos a tomar quando um promotor os queira agrupar a uma central de produção de energia renovável e instalá-los no polígono já licenciado nas diferentes fases. Se o objetivo foi simplificar e reduzir os casos de AIA obrigatória (ver Decreto-Lei 11/2023), por que motivo foram criados novos limites de aplicação de AIA e mantiveram os já existentes? Se o promotor não cumpre os prazos, ou paga uma multa ou, no limite, vê o seu projeto ser reprovado.
Mas, como referi acima, as entidades gozam de uma teia burocrática difícil de perceber, tendo por isso o Estado tentado simplificar o processo (será que quis mesmo?), criando um processo bastante complexo (composto por 12 passos, tendo muitos deles “sub-passos” e “sub-sub-passos”!) em que uma das fases do processo é a obrigatoriedade de contactar a entidade que falhou na resposta para que ela dê efetivamente resposta. Se a entidade não respondeu atempadamente, ainda vamos ter de esperar que ela responda novamente? Não bastaria que a CA recebesse todas as correspondências e, passando o prazo previsto, reconhecesse a formação do deferimento tácito? Mais, este procedimento só entrará em vigor a partir de janeiro de 2024, estando, entretanto, a maioria dos projetos em andamento e com prazos legais impostos pelo Estado em risco de serem ultrapassados por estas idiossincrasias estatais.
Há muitas oportunidades de melhoria nestes processos e o Estado e as entidades terão de perceber que os promotores são a catapulta para a evolução e crescimento do país e não os monstros oportunistas como, muitas vezes, são catalogados. Apenas se pede bom senso e objetividade, para conseguirmos fazer evoluir um país cada vez mais atrasado e ultrapassado!
Artigo de Opinião de Francisco Miguéns – Project Manager, publicado no Capital Verde – ECO, no dia 2 de junho de 2023.