Qual a sua posição em relação à saída de João Galamba da pasta do Ambiente e da Energia?
A energia e ambiente fazem parte do maior desafio de sempre e verdadeiramente global da história da Humanidade – a descarbonização. O tempo esgota-se rapidamente e as metas estabelecidas no acordo de Paris parecem cada vez mais uma miragem. O empenho e o esforço de todos terá de ser cada vez maior se quisermos viver com qualidade e conforto no futuro. Foram estabelecidas metas europeias ambiciosas que implicaram compromissos por parte de todos os estados membros. Em Portugal, essas metas estão claramente definidas no Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC), e estão fundamentalmente relacionadas com a redução da nossa dependência do exterior, incorporação de renováveis e redução de consumos.
Esta caminhada foi iniciada no mandato de João Galamba e desde então muito se tem feito, de facto. Foi conseguida uma alteração profunda da legislação sectorial possibilitando a implementação de mecanismos de acesso à rede que potenciaram muito investimento privado e diversificado no sector. Tivemos os primeiros leilões solares, com uma adesão sem precedentes, e alterações fundamentais para a organização do sistema elétrico nacional, também na área de auto-consumo e comunidades de energia. A aposta no hidrogénio verde está em curso, bem como a integração de possibilidades de storage, hibridização ou incentivo à produção eólica offshore, entre muitos outros exemplos. Está muito em curso e parar não é opção.
Este é um sector fundamental para o desenvolvimento global do país e a possível afirmação de Portugal como um exportador líquido de energia. No entanto, é um sector difícil, com problemas de legislação e regulação, de coordenação, de falta de meios em muitas instituições da administração pública e com enorme evolução tecnológica, o que exige um acompanhamento constante das tendências, assumindo riscos e aproveitando novas oportunidades.
Neste sentido, vejo a saída de João Galamba com preocupação, dado o seu papel ativo em todo este processo de transição. Conhecia bem os dossiers, os problemas, os desafios e detinha a força política necessária para os tentar resolver.
Foi uma boa decisão do Governo?
Para o sector da energia dificilmente poderei considerar uma boa decisão. Dada a importância vital do sector para o desenvolvimento e afirmação do país no contexto internacional, seria crucial ter nesta pasta alguém que conhecesse bem os dossiers, incluindo a complexidade técnica inerente a qualquer decisão neste sector, mas não descurando o peso político necessário para que todos – Governo, Assembleia da República, partidos, e sociedade em geral, consigam entender o papel central desta transição para o nosso sucesso coletivo.
Qual o impacto desta mudança para o setor?
O impacto desta alteração dependerá, em grande parte, da pessoa escolhida para assumir a pasta. É necessário conhecer a fundo os problemas para os conseguir resolver. E, apesar do muito que já foi feito, há muito trabalho pela frente. Importará simplificar os processos de licenciamento, sobretudo, torná-los mais previsíveis, estáveis e com prazos razoáveis para que a confiança dos investidores se mantenha. É preciso cumprir o que está legislado em termos de acesso à rede, por exemplo, ou no tempo de resposta das diferentes entidades.
Assim, será muito importante que o novo governante ouça todos os stakeholders, entenda as dores de cada um, e procure ir ao encontro de soluções que fomentem uma transição energética acelerada, mas sólida. De facto, apesar de todos os esforços ainda continuamos atrasados. No solar, por exemplo, onde Portugal detém, a par de Espanha, o melhor recurso da Europa, ocupamos apenas o 10º lugar em potência instalada per capita. No entanto, os países no topo deste ranking são a Alemanha, os Países Baixos e a Bélgica, com cerca de cinco vezes o valor de Portugal e com muito menos recurso solar que o nosso, como é evidente.
Considera que o Ambiente e a Energia devem estar separados? Porquê?
Toda a atividade humana conduz a impactes ambientais. Estes terão de ser analisados, avaliados, mitigados, minimizados e, por vezes, dada a dimensão e gravidade, poderão implicar alterações profundas de projecto ou mesmo a sua inviabilização. É normal que assim seja. No entanto, é também importante que, no momento de transição climática que se pretende rápida, mas segura, haja um entendimento claro entre as tutelas do ambiente e da energia para que as entidades públicas responsáveis pelas diferentes áreas estejam alinhadas no desígnio estratégico para o país, mas sem perderem a sua identidade e independêcia técnica para desenvolverem com qualidade o seu trabalho. Admito que possa haver vantagem em colocar o Ambiente e a Energia em Secretarias de Estado separadas, mas sem dúvida dentro de um mesmo Ministério.
Como é que vai ser o ano 2023 tendo em conta as preocupações que se fazem sentir neste setor?
Em 2023 teremos, provavelmente, alguma instabilidade nos preços de energia. Porém, a transição para uma eletrificação da economia com base em renováveis será imparável.
Continuar-se-á com grande investimento no sector e no futuro teremos um mix mais diversificado e, porventura, mais seguro, evitando-se dependências exageradas de matérias primas oriundas de países politicamente instáveis e com riscos de quebra de abastecimento bastante superiores.
Que conselhos / recomendações pode partilhar com os portugueses?
Eu diria que todos nós teremos de perceber que fazemos parte deste processo de mudança. Esta transição implica uma eletrificação da economia e uma incorporação maioritária de renováveis na produção de eletricidade. E esta transição não é apenas um imperativo para a descarbonização, mas será igualmente a forma mais barata de utilizarmos a energia de que necessitamos para o nosso dia a dia.
E podemos ser parte ativa na mudança, porque podemos escolher livremente o nosso comercializador de eletricidade, podemos utilizar carros elétricos e transportes públicos, podemos ainda ser produtores de eletricidade para auto-consumo, sendo esta uma opção fundamental para o futuro do sistema elétrico nacional. Temos, sobretudo, de não nos deixar encantar com ideias de um passado que já não volta, e, acima de tudo, agarrar um futuro que será mais limpo e mais barato para todos.
Miguel Subtil, Managing Director
5 de janeiro de 2023
Em entrevista publicada na Ambiente Magazine