Átomo Capital Partners: 3 anos a repensar a energia

A Átomo Capital Partners existe há três anos. Quem são os fundadores e acionistas da empresa e o que esteve na base da sua criação?

A Átomo Capital Partners tem sócios portugueses, tendo o Pedro Rutkowski como seu sócio fundador que, como é sabido, tem interesses e investimentos em diferentes áreas como imobiliário, capital de risco, turismo, entre outras, e sempre com foco em soluções inovadoras, procurando antecipar as necessidades de mercado. O Pedro convidou-me para começarmos a pensar neste projeto em 2018. Tínhamos perfeita consciência da importância dos temas da energia e sustentabilidade e o seu impacto transversal em todos os sectores da economia. Estava claro para nós que o facto de estarmos a ultrapassar os limites de recursos do planeta em conjugação com o estado de emergência climática, era um problema que teria de ser resolvido com base no sistema financeiro, com investimento direcionado para os projetos certos. Foi assim que começámos, não como mais um gabinete de engenharia, mas como uma empresa que, compreendendo as novas circunstâncias de mercado, conseguisse olhar de forma holística para encontrar soluções para o futuro, aliando desenvolvimento sustentável a retorno financeiro – não tendo de haver um trade-off. Esta será a única forma de conseguirmos, enquanto sociedade, ultrapassar o desafio da descarbonização.

 

O que é exatamente o serviço de utility scale, que representa 70% do volume de negócios da Átomo Capital Partners?

Foi precisamente por aí que começámos. Antes dos primeiros leilões solares de 2019, percebemos que faltava no mercado uma entidade que conseguisse dar um apoio completo a investidores e produtores de eletricidade (muitos deles internacionais). Começámos a atuar como project developers para essas entidades que, tendo muita experiência técnica no desenvolvimento deste tipo de projetos pelo mundo fora, precisavam de uma equipa profissionalmente competente, muito exigente, mas com características multidisciplinares que permitissem o desenvolvimento global dos projetos até à fase ready to build (RtB). Essa multidisciplinaridade e flexibilidade permite que consigamos entrar logo no início do projeto com a verificação dos terrenos, simulações de produção de eletricidade, layout das centrais, passando pela elaboração dos projetos elétricos, estudos ambientais e todas as restantes atividades, até aos estudos e projetos de engenharia necessários ao licenciamento junto de todas as entidades. Isto implica, claro, o relacionamento e envolvimento destas entidades como a DGEG, APA, CCDR, REN, Municípios, entre outros.
Fomos merecedores da confiança de alguns dos principais players do sector logo no leilão de 2019, e a partir daí temos vindo a crescer significativamente. Temos hoje mais de 900MW de projetos em diferentes estágios de desenvolvimento. Este sucesso da Átomo Capital Partners tem vindo a suscitar interesse por parte de muitos outros investidores e produtores de energia, que agora nos procuram também para o apoio em operações de M&A, nomeadamente Due Diligences ambientais, técnicas e de licenciamento.

 

Dentro do utility scale, qual a fonte de energia mais procurada: energia fotovoltaica, CSP, eólica onshore e offshore, hidrogénio?

Neste tipo de projetos de grande escala o potencial eólico tinha começado a ser desenvolvido anos antes e em 2018/2019 era o solar que estava prestes a desenvolver-se a grande velocidade. Era, e é. Embora a velocidade de implementação não seja propriamente o que se tem vindo a verificar.
Quanto à eólica offshore, esteve recentemente em Audição Pública a proposta para a localização possível de futuros parques e prevê-se para breve um leilão dedicado a este tipo de solução.
O hidrogénio vem, por outro lado, dar resposta às atividades que não se consegue eletrificar. Estaremos a falar de alguns processos industriais ou mobilidade, sobretudo pesada. Tem sido uma grande aposta da EU e do governo português. Temos também participado em alguns projetos de hidrogénio em que acreditamos muito, mas é uma tecnologia que ainda requer algum esforço de R&D e daí estar a ser alvo de apoio, quer da União Europeia quer dos Estados Membros.
Acreditamos que a transição no setor da energia terá de ser multi-tecnológica. Não existe uma solução única para os problemas, mas teremos de recorrer a diferentes tecnologias complementares, incluindo o storage de que não falei, mas que terá um papel fundamental para corrigir a intermitência associada à produção renovável.

 

Como tem evoluído a área da mobilidade elétrica? Qual o peso na vossa faturação? Qual o potencial de crescimento nesta área?

De acordo com a European Automobile Manufacturers’ Association (ACEA), em 2022 cerca de 14% de todos os novos veículos novos registados na Europa eram elétricos (100% elétricos), prevendo-se um crescimento exponencial até 2030, com uma projeção de que nessa data 70% dos novos carros colocados no mercado sejam 100% elétricos.
Na Átomo Capital Partners acreditamos na eletrificação da mobilidade, ainda que possa ser complementada com outras tecnologias para alguns setores. Trata-se de uma tecnologia madura, em fase comercial e que terá grande expansão. Muito há ainda a fazer na generalidade dos países, para fazer face à tal procura de carregamentos para os veículos. Também neste segmento a rede pode ser um problema, assim como os edifícios que não dispõem de capacidade para dar resposta a tanta procura.
Há que ser inovador e procurar soluções, e esses desafios motivam-nos. Temos vindo a desenvolver alguns projetos de carregamento privado e estamos agora a lançar o nosso próprio projeto piloto de carregamento público. O volume de negócios é ainda razoavelmente imaterial, mas temos estado a estudar o setor há cerca de dois anos, temos um business plan estruturado e estamos neste momento a negociar com alguns investidores, conhecedores do setor da mobilidade elétrica na Europa e que pretendem investir em Portugal. Contamos ter novidades para breve.

 

E a área do autoconsumo? Está a crescer?

Sim, o autoconsumo está em franco crescimento e é uma das grandes apostas da Átomo Capital Partners para 2023. Tendo em vista o objetivo de eletrificação da economia, é fundamental que a produção se realize próximo do consumo, evitando os constrangimentos de capacidade de rede e reduzindo os custos. A legislação nacional tem vindo, de resto, a ser alterada nos últimos anos de forma a acomodar também soluções mais flexíveis como o autoconsumo coletivo e as Comunidades de Energia, permitindo soluções mais otimizadas e eficientes. Existem ainda alguns problemas graves nos processos de licenciamento, que terão mesmo de ser resolvidos para que a implementação destes projetos seja tão célere como se pretende.

 

Para quem estão a desenvolver “a maior central solar de autoconsumo da Europa, com cerca de 45 MWp”? Qual o montante do investimento?

Essa é uma solução fantástica para um cliente electro-intensivo no setor mineiro. Na verdade, será consumida a totalidade da energia produzida, correspondendo a uma redução significativa dos custos com energia bem como de toneladas de CO2 emitidas, e corresponderá a um investimento na ordem dos 30 M€. É um projeto que está em fase de licenciamento, foi já desenvolvida a solução de layout, tendo em conta as necessidades específicas deste cliente, o espaço disponível e todas as restrições existentes – topográficas, ambientais e legais. Neste momento, foi já dado parecer positivo por parte da autarquia, estando em curso o processo junto das restantes entidades.

 

Qual a importância da área do imobiliário para o vosso negócio?

O setor imobiliário é responsável por mais de um terço das emissões globais de CO2 e terá, portanto, de ser parte da solução. Acreditamos que o investimento sustentável fará mesmo a diferença e que a integração das questões ESG nas estratégias de investimento será a única forma de produzir o impacto pretendido para a transição climática, sem perder o foco no retorno financeiro. É claro que há desafios e falhas de mercado – foco no curto prazo, externalidades negativas não contabilizadas, ou a não contabilização de riscos climáticos futuros. Mas o setor financeiro está a mudar e depressa. Para dar resposta a estas falhas são necessárias medidas que estabeleçam critérios para definir o que é investimento sustentável, criar benchmarks e formas comuns e comparáveis de reporte. Tudo isto está em marcha, nomeadamente no âmbito do EU Action Plan, com o qual se pretende reorientar os fluxos de capital, gerir os riscos financeiros associados às alterações climáticas e outras questões ambientais e sociais, bem como fomentar a transparência e um foco no longo prazo.
É neste contexto que se enquadra a atividade da Átomo Capital Partners, numa abordagem de apoio a investidores, asset managers e promotores, no que aos temas ESG diz respeito, mas de uma forma integrada na sua estratégia global de investimento.
Este é um setor cada vez mais relevante para a Átomo Capital Partners e temos uma equipa altamente qualificada. Os ativos em uso que necessitam urgentemente deste alinhamento representam grande parte das carteiras sob gestão em Portugal. Estamos ainda a tempo de começar a fazer esta transição sem custos inesperados, nomeadamente com o recurso a processos de certificação BREAAM in use, como o que estamos a fazer nas Torres de Lisboa, por exemplo.

 

Que grandes projetos têm em carteira para este ano, em que áreas, de que clientes, e quanto representam em termos de investimento?

Estamos com grandes projetos em todas as áreas, sendo que a unidade de Utility Scale é a que ainda representa grande parte do nosso negócio. Aí temos cerca de 900MW de projetos em curso e que representam mais de 600M€ de investimento.

 

Dentro das várias áreas onde atuam na Átomo Capital Partners, em quais estão a apostar mais? Quais podem crescer mais nos próximos anos?

A área de Utility Scale é uma área madura, mas que será sempre uma aposta, independentemente da tecnologia. Mas, de facto, temos como objetivo crescer aceleradamente este ano, quer na área de autoconsumo quer no setor imobiliário.
Na área de autoconsumo a atividade da Átomo Capital Partners pode ser enquadrada naquilo que se pode chamar Energy as a Service, e o scope de serviços é bastante mais abrangente: não só desenhamos e desenvolvemos as soluções, como as construímos e operamos sem capex para o cliente. Muitas vezes, os clientes não têm interesse em alocar a liquidez disponível em projetos não core como estes. Nestes casos, podemos trazer nós o investimento e estamos em fase de estruturação de um fundo nosso, que permitirá mais flexibilidade e rapidez na disponibilização do capital.
No setor imobiliário, todas as questões relacionadas com o tema de sustainable finance vão impor uma transição rápida, que estamos em condições de apoiar e é também uma grande aposta da Átomo Capital Partners para 2023.

 

Qual é o perfil dos vossos clientes e o que procuram estas empresas ao desenvolverem estes projetos? São grandes empresas, PME, ou um pouco de tudo?

Bem, têm características diferentes consoante as áreas. Os projetos Utility Scale são desenvolvidos para produtores de energia, bem conhecedores do mercado e investidores muito exigentes que sabem a priori o que querem, sendo no fundo o nosso papel desenvolver todo o processo para que lá consigam chegar.
Já no setor do autoconsumo, onde incluo o autoconsumo coletivo e as comunidades de energia, estaremos fundamentalmente a falar de empresas, muitas do setor industrial e, dadas as características do tecido empresarial português, serão maioritariamente PME. Aqui, a principal preocupação é reduzir custos e, num momento em que a forma mais barata de produzir eletricidade é com recurso solar, o interesse torna-se evidente.

 

As empresas em Portugal estão mais conscientes e empenhadas em descarbonizar? Há incentivos para isso, em termos de fundos europeus, por exemplo? Ou a redução dos custos com a energia é uma das principais motivações das empresas quando vos procuram?

O grande incentivo é, e a meu ver terá mesmo de ser, o resultado financeiro. Ou seja, quem não atuar de forma responsável sofrerá um impacto negativo nos seus resultados a prazo e isto conduzirá a uma consciencialização obrigatória. Não se trata de optar entre ser responsável ou ganhar dinheiro, mas antes, ter a consciência de que no futuro, para se obter retorno, terá de ser este o caminho.
Respondendo diretamente à sua pergunta, a grande motivação é a redução de custos a curto prazo, mas já começa a ser relevante o número dos que, começando a pensar e planear a longo prazo, se apercebem dos enormes riscos associados à inação.
Há efetivamente alguns incentivos de fundos europeus, mas que deveriam, a meu ver, ser canalizados sobretudo para as tecnologias menos maduras, para a atualização e reestruturação das infraestruturas, e para modernizar as nossas instituições de modo a tornar célere o processo de licenciamento, deixando que o mercado funcione nos restantes casos.

 

Qual tem sido a procura pelas certificações na área da sustentabilidade (BREEAM; LEED; WELL…). Porque são importantes para as empresas?

No setor imobiliário os clientes são os promotores dos projetos que os pretendem atrativos para os investidores, os gestores de ativos que têm a obrigação de manter o valor desses ativos e a sua atratividade no mercado, e também os inquilinos. No entanto, este dever de reportar o grau de sustentabilidade da sua atividade não é exclusivo para as entidades financeiras de que falei há pouco. Também as empresas não financeiras têm obrigações de reporte que se tornou recentemente mais exigente, com a entrada em vigor a 5 de janeiro de 2023 da Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD), implicando que inquilinos sejam também mais exigentes com os espaços que ocupam.
Na verdade, recorremos aos referenciais propostos no âmbito das Certificações LEED, BREEAM e WELL como ponto de partida, não apenas para a obtenção de um ‘selo’ cada vez mais exigido, mas para um alinhamento dos ativos com as atuais exigências ESG e a sua melhoria contínua. No âmbito deste apoio, poderão ainda ser utilizadas outras ferramentas de benchmark, por exemplo, como o GRESB ou ainda a contabilização da pegada de carbono do edificado, na fase de exploração ou até mesmo durante toda a fase de desenvolvimento e construção. Na verdade, esta mudança faz-se não porque está a ser exigida, mas porque quem não a fizer correrá riscos graves, nomeadamente de obsolescência, desvalorização e iliquidez dos seus ativos.

 

Cresceram 30% em 2022. Quais são as perspetivas para 2023?

Temos vindo sempre a crescer significativamente, e para 2023 temos como objetivo para a Átomo Capital Partners um crescimento superior a 50%.

 

A Átomo Capital Partners partilha este mercado com muitas empresas? Como caracteriza este setor de atividade neste momento em Portugal? Há muita concorrência, muitas empresas a oferecer o que a Átomo oferece?

Sim, claro, no setor da energia e sustentabilidade há um número imenso de empresas, é um setor em grande desenvolvimento e é neste momento um negócio sexy. Há muita concorrência e há empresas nos vários segmentos em que atuamos que sabem fazer bem o seu trabalho. Mas, na verdade, não nos preocupa tanto a concorrência de qualidade, exigente e que sabe o que está a fazer. É bastante mais preocupante os que não sabem e acabam por descredibilizar o setor prejudicando o seu desenvolvimento. Por outro lado, parece-nos que não haverá muitos que ofereçam exatamente o que a Átomo Capital Partners disponibiliza aos seus clientes.

 

Qual considera ser a vantagem competitiva da Átomo Capital Partners?

A Átomo Capital Partners está presente apenas no segmento B2B e, como disse há pouco, não é uma empresa de engenharia, embora incorpore esses serviços no desenvolvimento dos projetos, também não é uma construtora, embora construamos as nossas centrais de autoconsumo, nem é uma entidade financeira, embora seja o conceito de sustainable finance que nos move.
Neste sentido, a Átomo Capital Partners é única porque desenvolve soluções, ultrapassa obstáculos e cria oportunidades que consegue concretizar e implementar de acordo com as necessidades específicas dos seus clientes, de forma customizada. Esta tem sido a chave do nosso sucesso – garantir um suporte total, global e integrado, do princípio ao fim de cada processo. É este apoio incondicional e abrangente, flexível e muito rápido, que tem fidelizado clientes e que constitui a nossa verdadeira vantagem competitiva. Estamos, é claro, conscientes do desafio que enfrentamos com o crescimento e a necessidade imperiosa de manutenção deste nível de serviço.

 

Com quantos colaboradores nasceram, quantos têm atualmente, e com quantos estimam acabar o ano?

Começámos a Átomo Capital Partners com duas pessoas e temos atualmente 15 colaboradores, devendo chegar ao final do ano com cerca de 20, sem contar com a equipa comercial que se irá expandir.

 

Portugal está a evoluir bem e estão em marcha as políticas certas para a descarbonização? O que precisa ainda de ser feito?

Portugal tem evoluído muito e no sentido certo. Mas ainda existe muito caminho a percorrer. Temos um recurso solar fantástico que a par de Espanha é o melhor da Europa, mas estamos ainda muito longe dos valores de potência instalada per capita de países como a Alemanha, Bélgica ou Países Baixos. Aliás, a Alemanha anunciou há dias um plano muito ambicioso para a tecnologia solar, definindo o objetivo de dispor de 215 GW de solar instalados em 2030. Isto significa uma triplicação do que tem vindo a ser implementado anualmente, e para que isto seja possível, o governo alemão aposta também no reforço do investimento nas Redes Elétricas de Transporte e de Distribuição, e no fabrico do equipamento pela indústria alemã.
Portugal, a este propósito, tem alguns problemas sérios relacionados com a capacidade da rede elétrica, bem como com a lentidão dos processos de licenciamento. A EU tem vindo a pressionar muito para que os processos de licenciamento se tornem mais ágeis, o que tem tido consequência na legislação nacional, embora ainda sem consequências práticas. É um novo enquadramento legislativo que teremos de ver como vai resultar.
Os objetivos são claros, as ferramentas de mercado ao nosso dispor começam a tornar-se também mais claras, mas os desafios são imensos e é isso que nos motiva. Percorrer e ajudar a fazer este caminho é no fundo a nossa missão.

 

Entrevista completa de Miguel Subtil – Managing Director, que serviu de base ao artigo publicado no Dinheiro Vivo no dia 8 de abril 2023.