Empresas com propósito. Será que nos está a escapar alguma coisa?

Miguel Subtil
Miguel Subtil, Managing Director

Inicialmente, o foco estava apenas no investimento socialmente responsável, que visava evitar práticas “censuráveis” que exploravam recursos humanos ou naturais de forma inaceitável para obter lucro. Essa abordagem de exclusão tornou-se, aliás, uma das estratégias mais usadas ao longo dos anos, trazendo vários benefícios para investidores e credores.

No entanto, hoje, bem mais do que ter uma política de exclusão, é exigido que os negócios tenham um propósito, têm de agir pela positiva, influenciar a mudança, ter impacto positivo.

E parece ser um facto que as empresas com um propósito têm mais probabilidade de sucesso no mundo moderno. Isto porque para além de serem financeiramente viáveis, tais negócios também podem ser socialmente relevantes e por longos períodos de tempo, criando laços fortes de empatia e reconhecimento com todos os stakeholders e não apenas com acionistas, o que influencia positivamente o resultado da empresa por muito tempo. Propósito e lucro não são, assim, variáveis mutuamente exclusivas, são hoje complementares ao ponto de poderem não existir um sem o outro.

De acordo com diversos estudos recentes, uma marca que tem um propósito forte aumenta 3 a 4 vezes a possibilidade de conquistar a confiança dos clientes promovendo a sua fidelização [1]. De acordo com um inquérito da Forrester [2], por exemplo, mais de 31% dos inquiridos afirmam que a reputação de social de uma empresa influencia o seu comportamento de compra. Mas não é tudo: empresas com propósito forte superam a média do mercado em 5% a 7% ao ano, crescem mais rápido e têm mais lucros, segundo um outro estudo realizado pela Harvard Business Review.

Será? Mas como? Porquê?

De acordo com George Serafeim [3] o propósito, de facto, importa. Mas só importa se for bem implementado, com uma orientação top-down, clara, concisa e de forma a que a gestão intermédia da empresa se sinta totalmente integrada.

No seu mais recente livro “Purpose + Profit”, Serafeim detalha alguns destes conceitos que o levam também a afirmar que propósito e resultados são interdependentes. Empresas orientadas por propósitos, diz, têm melhores resultados – em parte porque existem maneiras incríveis de usar fatores de sustentabilidade como impulsionadores de negócio, motivando mais inovação, informando decisões sobre produtos e serviços e também, muitas vezes, porque empresas que se preocupam com essas questões inspiram funcionários que se importam e que assim estão dispostos a dedicar-se e trabalhar mais. As recompensas para os indivíduos são muito maiores quando eles se sentem orgulhosos do contributo que prestam no seu dia a dia para um propósito em que acreditam.

Na verdade, parece estar a formar-se a ideia de que uma liderança corporativa com fundamentos de sustentabilidade não é apenas uma nova moda de gestão, mas a única maneira de conseguir gerir um negócio bem-sucedido no longo prazo [4]. A Sustentabilidade Corporativa possibilita enormes oportunidades e é assim que deve ser encarada – reduz o risco, aumenta o valor da marca, aumenta a atração e a retenção de talentos e fornece uma nova lente, uma nova forma de ver o mundo, promovendo inovação que atende às novas necessidades e exigências dos clientes. De acordo com o BCSD, haverá pelo menos USD12 triliões de oportunidades disponíveis para empresas que cumpram o ODS da ONU até 2030, e as melhores evidências sugerem que um forte desempenho de sustentabilidade corporativa gera melhores retornos financeiros no longo prazo [5].

Esta ideia de uma nova liderança corporativa com foco também em questões ESG é corroborada por um inquérito realizado a CEOs da Fortune 500 onde apenas 7% dos inquiridos acredita que as suas empresas se devem “focar principalmente em obter lucros e não se distrair com objetivos sociais” [6].

Um líder, estes líderes, ao pressionarem as suas empresas a definir e viver seu propósito de forma consistente, estão a desafiar o status quo de tal modo que pode ser perturbador e arriscado para os colaboradores e até para os próprios.

Defender essa mudança requer coragem e saber liderar com empatia – o que, de acordo com um estudo da McKinsey [7], significa desenvolver uma ampla visão de futuro que se estenda além do problema imediato, inspirando e construindo confiança com os outros, encontrando um terreno comum e liderando pelo exemplo. Estes novos dados sugerem que uma redefinição das normas de liderança pode ser importante à medida que o líder se esforça para definir e viver o propósito da sua organização, que deve ser e demonstrar-se coerente e adequado ao estilo e às ações do próprio líder, da sua equipa de gestão e restantes colaboradores.

Da mesma opinião é Paul Polman, ex CEO da Unilever, ao afirmar que “a principal razão para qualquer empresa existir é satisfazer as necessidades dos clientes e tornar as suas vidas melhores”[8]. Estando evidentemente desalinhado com a perspetiva de Milton Friedman segundo a qual a único foco de um líder deveria ser o lucro, será importante salientar que muitos dos pressupostos considerados por Friedman mudaram muito nas últimas décadas.  E é bem possível que agora, para conseguir remunerar adequadamente os acionistas, como pretendia, tenhamos de encarar como sérias muitas questões, como o propósito da companhia, outrora consideradas meras distrações.

Não será um caminho fácil, almejar o sucesso de longo prazo, mais sustentável e menos volátil, sobretudo com a exigência voraz de resultados a curto prazo, se possível trimestrais.

Paul Polman, citando Peter Drucker relembra-nos, no entanto, que “o lucro para uma empresa é como o oxigénio para uma pessoa. Se não se tem o suficiente, está-se fora de jogo. Mas se pensarmos que o propósito da nossa vida é respirar, está a escapar-nos alguma coisa”.

Será que nos está a escapar alguma coisa?

[1] Forbes, 2023

[2] Empresa norte-americana de pesquisa de mercado

[3] George Serafeim – Professor of Business Administration at Harvard Business School, onde lidera o Climate and Sustainability Impact AI Lab.

[4] “All in: the future of business leadership”, David Grayson et al, 2018

[5] “The Impact of Corporate Sustainability on Organizational Processes and Performance”, Harvard Business School, Robert G. Eccles, Ioannis Ioannou, and George Serafeim, 2016

[6] Fortune, May 2019

[7] Answering society’s call: A new leadership imperative, 2019

[8] “Net Positive: How courageous companies thrive by giving more than they take”, Paul Polman et al., 2021

 

Artigo de Opinião de Miguel Subtil, Managing Director da Átomo Capital Partners, publicado no Executive Digest no dia 27 de Julho 2023.