REPowerEU: Ainda estamos a tempo de alterar o PRR

Em março de 2022, ficou decidido, no Conselho Europeu, eliminar progressivamente a dependência da Europa no que se refere às importações de energia russa, o mais depressa possível, solicitando-se à Comissão Europeia (CE) a apresentação de um plano “REPowerEU”.

O REPowerEU

O REPowerEU visa reduzir, rapidamente, a nossa dependência dos combustíveis fósseis russos, reorientando a transição para as energias limpas e unindo esforços, a fim de alcançar um sistema energético mais resiliente e uma verdadeira União da Energia. O REPowerEU foi apresentado pela CE há cerca de duas semanas.

Entende-se, de acordo com a Comissão, que pode ser possível reduzir significativamente a nossa dependência dos combustíveis fósseis russos já este ano de 2022, e acelerar a transição energética. Tudo isto, com base no pacote de propostas Objetivo 55 e na conclusão das ações em matéria de segurança do aprovisionamento e do armazenamento de energia.

Medidas REPowerEU

Este novo Plano, designado REPowerEU, propõe agora um conjunto adicional de ações destinadas a: i) poupar energia; ii) diversificar o aprovisionamento; iii) substituir rapidamente os combustíveis fósseis ao acelerar a transição da Europa para as energias limpas, e iv) combinar de forma inteligente os investimentos e as reformas.

Objetivo 55

Mas, antes de detalhar estas novas medidas, de que trata afinal o pacote Objectivo 55 de que se fala tão pouco?

Este documento agrega um conjunto de propostas destinadas a alinhar a legislação da UE para a meta de reduzir as emissões líquidas de gases com efeito de estufa em, pelo menos, 55% até 2030.

O pacote Objetivo 55 inclui propostas legislativas relativas ao sistema de comércio de licenças de emissão da EU, metas de redução das emissões dos Estados-Membros, emissões e remoções de gases resultantes do uso do solo, energia renovável, eficiência energética, infraestrutura para combustíveis alternativos, normas de emissão de CO2 para automóveis, tributação da energia, mecanismo de ajustamento carbónico fronteiriço, combustíveis sustentáveis para a aviação e transportes marítimos.

Tudo isto terá um impacto enorme no nosso modo de vida e, sobretudo, na adequação das actividades económicas a uma nova realidade.

De facto, a transição é um imperativo, se queremos salvaguardar o nosso modo de vida e conforto. Mas terá custos, necessariamente, como qualquer processo disruptivo. E é mesmo obrigatório que o seja… Não temos muito tempo…

O que se pretende com o Objetivo 55?

É, no entanto, importante que tenhamos consciência do que está em causa. Neste pacote Objetivo 55 estão em cima da mesa, para negociação, coisas tão relevantes como:

  • um conjunto abrangente de alterações ao atual sistema de comércio de licenças de emissão da UE (CELE), resultando numa redução global das emissões de 61% até 2030 nos setores visados, em comparação com 2005, incluindo no CELE as emissões provenientes do transporte marítimo, eliminando progressivamente a atribuição gratuita de licenças de emissão, e criando um novo sistema de comércio de licenças de emissão para os edifícios e o transporte rodoviário;
  • a elevação da meta de redução das emissões de gases com efeito de estufa da UE de 29% para 40%, em comparação com 2005;
  • o aumento da atual meta a nível da UE de, pelo menos, 32% de energia de fontes renováveis no mix energético total para, pelo menos, 40% até 2030;
  • a revisão da atual Diretiva da Eficiência Energética, aumentando a meta de eficiência energética da UE de 32,5% para 36% em relação ao consumo final de energia, e para 39% em relação ao consumo de energia primária;
  • a aceleração da criação de uma infraestrutura de carregamento e abastecimento de veículos com combustíveis alternativos;
  • a adoção de uma nova meta de 100% de redução das emissões de CO2 dos automóveis de passageiros e dos veículos comerciais ligeiros, implicando que, a partir de 2035, deixará de ser possível colocar no mercado na UE automóveis ou veículos comerciais ligeiros com motor de combustão interna.

 

Todos estes temas, que estavam já em discussão, têm impacto direto nas nossas vidas e é com base nesta agenda que a CE apresenta agora este novo Plano.

REPowerEU e Objetivo55

O REPowerEU baseia-se na execução plena das propostas do pacote Objetivo 55 apresentadas no ano passado, sem alterar a ambição de alcançar, pelo menos, a redução de 55% de emissões líquidas de GEE até 2030, e a neutralidade climática até 2050, em consonância com o Pacto Ecológico Europeu.

Segundo a CE, na sua apresentação do Plano, este não pode funcionar sem uma execução rápida de todas as propostas do pacote Objetivo 55 nem sem metas mais elevadas para as energias renováveis e a eficiência energética. Teremos de atuar, imperativamente, do lado da oferta e do lado da procura.

A intensificação da execução dos planos nacionais em matéria de energia e clima (PNEC) e as correspondentes atualizações ambiciosas são fundamentais para a consecução dos objetivos REPowerEU.

Portugal e o PRR

Em Portugal, estamos ainda longe de alcançar as metas pretendidas para 2030, sendo, porventura, esta uma oportunidade de acertar agulhas e redirecionar a sério mecanismos como o PRR, para desígnios tão relevantes como a independência energética do país. Na verdade, esta é uma situação prevista e proposta pela própria Comissão no sentido de acelerar estas medidas.

Não se pede que o Estado faça aquilo que não pode nem deve. Num momento em que a produção de eletricidade com recurso a fontes renováveis é a forma mais barata de o fazer, não se pede que o Estado subsidie a instalação de painéis solares ou financie equipamentos seja para quem for. Temos de mudar mesmo de paradigma e deixar de ter um Estado assistencialista.

Num PRR, supostamente, dirigido para a transição climática, estão previstos, por exemplo, 70M€ para a eficiência energética em edifícios de serviços. Isto representa cerca de 0,4% do total de verbas do PRR, não contribuindo, de facto, para a mudança estrutural de que precisamos.

A verdadeira dificuldade para uma implementação plena de renováveis em Portugal está relacionada com os enormes constrangimentos das redes de transporte e distribuição. E aqui sim, cabe ao Estado dotar o país de infraestruturas capazes de fazer face aos grandes desafios do futuro. É aqui que deveria estar a nossa prioridade.

Ainda estamos a tempo?

Estamos a tempo. Ainda estamos a tempo de alterar o que tiver de ser alterado. Distribuir dinheiro avulso financiando sistemas que não precisam objetivamente de subsídios, corresponderá a perder mais uma oportunidade. Mas ainda estamos a tempo.

Os mecanismos de recuperação e resiliência são, precisamente, os que a CE prevê que possam ser utilizados para acelerar a transição energética, agora mais urgente do que nunca. Tenhamos a coragem de fazer o que precisa mesmo de ser feito. Dotemos o país de infraestrutura para que o mercado e a economia possam fazer o que lhes cabe.

Sabemos que é uma tarefa difícil. Sabemos que reestruturar uma rede que estava pensada para uma outra realidade demora tempo e requer muito investimento.

Pois, então, temos aqui a nossa oportunidade. Estuturemos uma task-force, se for esta a maneira que encontramos para conseguir agir rapidamente. Mas ainda estamos a tempo!

 

Miguel Subtil, Managing Director
6 de junho de 2022

 

Artigo publicado na Ambiente Magazine